Muitos casos de peculato investigados no Huambo

A Procuradoria-Geral da Pública (PGR) na província do Huambo, centro de Angola, está a investigar 51 processos de crime de peculato (desvio ou roubo de dinheiros públicos), que envolvem, na sua maioria, empresas e funcionários públicos, indicou fonte oficial local.

Segundo o procurador provincial do Huambo, Domingos Joaquim, os acusados, que não indicou, deverão receber, em breve, as respectivas acusações.

O magistrado do Ministério Público indicou tratar-se de processos mediáticos que envolvem, essencialmente, algumas pessoas colectivas públicas e privadas, bem como funcionários públicos, que tinham como substrato a má execução do Orçamento Geral do Estado (OGE) referente aos anos 2012 e seguintes.

Domingos Joaquim sublinhou que o “mau exercício” do OGE traduz-se sobretudo no desvio de fundos públicos para determinados fins que não os previstos e para os quais foram cabimentados.

Sem revelar as entidades envolvidas, Domingos Joaquim disse que, dos 51 processos-crime, constam 24 empresas, 12 das quais com sede na província do Huambo, cujos processos se encontram em fase “muito avançada”, tal como os de vários funcionários suspeitos, estando a decorrer a recolha de elementos de prova para posterior responsabilização ou não.

Segundo o magistrado, os processos que se encontram em fase de instrução preparatória envolvem avultadas somas monetárias desviadas do erário público, razão pela qual a suspeita recai sobre as entidades que tinham sob sua responsabilidade a gestão do OGE.

“Não conseguimos dizer ao certo o valor desviado do OGE, mas é importante dizer que foram apropriados ilicitamente milhões e milhões de kwanzas, cujo valor global deverá ser aferido em cada um dos processos-crime, pois o Estado, no caso particular, o Governo do Huambo, sentiu-se completamente prejudicado no seu erário pelos seus próprios funcionários”, declarou.

Por esta razão, segundo Domingos Joaquim, a PGR desencadeou uma investigação para esclarecer os factos e quem são os responsáveis ou suspeitos, para que sejam responsabilizados civil e criminalmente, se for necessário.

O magistrado do Ministério Público fez saber, também, que a fase de instrução preparatória dos 51 processos de crime de peculato envolve, entre outros actos, buscas e detenções do implicado ou suspeito, por ser uma acção que decorre como consequência da dinâmica e da própria natureza processual.

Domingos Joaquim disse que a instituição que dirige tem orientação do órgão superior da Procuradoria-Geral da República para priorizar os casos que envolvem desvios de fundos públicos, o que deu origem à criação da comissão especializada de trabalho, integrada por magistrados do Ministério Público e do Departamento de Combate à Corrupção do Serviço de Investigação Criminal (DCC/SIC).

Não basta ser sério

Imaginemos (imaginar ainda não é crime) que o Estado angolano é uma entidade de bem. Assim sendo, acreditámos no Procurador-Geral da República, Hélder Pitta Gróz, quando ele afirmou, em Janeiro, que o Presidente João Lourenço tinha sido o primeiro a apresentar a sua declaração de bens.

Como então se disse, e nós aplaudimos, era uma forma de dar o exemplo aos membros do seu Executivo e, também, a outras individualidades. João Lourenço sabe que não basta ser sério, é também preciso parecer. Tal como à mulher de César.

A Declaração de Bens é (ou deveria ser) apresentada em envelope fechado e lacrado, até 30 dias após a tomada de posse ou início de funções, junto da entidade que exerce poder de direcção, de superintendência ou de tutela, que a remete, no prazo de oito dias úteis, ao Procurador-Geral da República.

Hélder Pitta Gróz explicou na altura (Janeiro, recorde-se) que a PGR estava a ter uma louvável (dizemos nós) pedagogia para mostrar a todos aquele a quem a decisão é aplicada que nesse âmbito cabem rendimentos, títulos, acções ou qualquer outra espécie de bens e valores, localizados no país ou no estrangeiro.

A declaração de bens é obrigatória (se bem que esta questão da obrigatoriedade seja muito discutível) para os titulares de cargos políticos providos por eleição ou nomeação, magistrados judiciais e do Ministério Público, gestores e responsáveis da administração central e local do Estado.

Em teoria (o que já não é mau), os gestores de património público afectos às Forças Armadas Angolanas e Polícia Nacional, os gestores responsáveis dos institutos públicos, dos fundos e fundações públicas e empresas públicas também estão sujeitos à apresentação da declaração. Também os deputados devem declarar o seu património-

A Declaração é actualizada a cada dois anos e em caso de incumprimento prevê a punição com pena de demissão ou destituição, sem prejuízo de outras sanções previstas por lei.

E assim se chegou ao final de Março. A PGR supostamente fez o levantamento geral de todas as pessoas sujeitas a fazer a declaração de bens, à luz da Lei da Probidade Pública, para se saber quem. Eventualmente, está em falta para – diz o vice-PGR, Mota Liz – começar a desencadear os procedimentos de responsabilização.

Portanto, e porque mais uma vez as pessoas nomeadas ou reconduzidas por João Lourenço estão algo esquecidas, Mota Lis defende agora a criação de mecanismos para fiscalizar e responsabilizar as entidades sujeitas a apresentação de declaração de rendimentos e por qualquer razão não o façam.

Mota Liz garante que a PGR vai ter espaço suficiente, capacidade e recursos humanos para verificar, caso a caso, quem fez a declaração de bens e quem não fez. Isso permite concluir que todos são sérios… mas uns são mais sérios do que outros.

“A declaração de bens não é um fim próprio, é um meio instrumental para a garantia da probidade. Outras acções e programas para garantir a probidade, para assegurar e combater a impunidade e garantia da transparência vão continuar a ser desenvolvidas”, disse o magistrado. E disse muito bem. Veremos se daqui a alguns meses não teremos a repetição deste mesmo filme.

O vice-procurador-geral da República disse que – afinal – há muitas entidades (certamente por estarem ocupadas na defesa dos direitos dos nossos 20 milhões de pobres) que ainda não fizeram a declaração de bens. Benevolente, Mota Liz acredita que tal possa ter acontecido porque se calhar ignoram as consequências que podem advir do desrespeito da lei. Se calhar é isso. São todos impolutos cidadãos, não se prevendo por isso que desrespeitem a lei de forma consciente…

Muitos dos deputados questionam a eficácia do modelo de declaração de bens. Primeiramente era em envelope fechado e lacrado. Agora não. Existem três modelos, o fechado, semi-aberto e um aberto. Isto porque, explicou Mota Liz, o modelo fechado, utilizado em Angola, tem uma eficácia reduzida e a PGR vai continuar a dialogar com os deputados e a sociedade para avaliar a necessidade de alguma alteração da lei.

“As pessoas perderam o medo na prática de actos lesivos ao património público e à própria imagem da administração pública e à boa imagem do Estado. A dimensão preventiva em todas as dimensões sociais é mais importante e aí, é preciso que as inspecções sectoriais do Estado e a IGAE, o Tribunal de Contas, eduquem, previnam, corrijam, mas vamos trabalhar sobre três lemas, educar, chamar a atenção e punir”, salienta Mota Liz.

Perderam o medo de ser criminosos? Perderam. Tudo porque, de uma forma simbólica, se estão nas tintas para a velha máxima de que os servidores públicos que não vivem para servir não servem para viver. Por outras palavras, limitaram-se a pôr na prática o ADN de quem ocupou esses lugares durante 43 anos, ou seja, o MPLA.

Por alguma razão um país rico como Angola não criou riquezas mas apenas milionários. Por alguma razão os nossos dirigentes nunca se preocuparam com os muitos milhões que têm pouco… ou nada, apostando tudo nos poucos que têm milhões.

Mota Liz defende a sensibilização, mas se “o funcionário público persistir no erro não há outro remédio”: “A punição, que pode ser disciplinar, cível, política e a mais grave de todas a criminal. É aquela que queremos evitar, não queremos ter cadeias cheias, mas se as pessoas insistirem que têm que cometer crimes para enriquecimento fácil não teremos outra opção”.

Ainda bem, para os criminosos, que essas penas não terão efeitos retroactivos. É que se tivessem, Angola não teria cadeias suficientes…

“É preciso que depois os meios da investigação, o polícia de investigação criminal seja suficientemente especializado para ir buscar os elementos todos, porque esse nível de crimes são pessoas inteligentes, que têm boa reputação, utilizam recursos da organização, têm dinheiro e hão-de fazer tudo para contratar os melhores advogados”, referiu Mota Liz.

De acordo com Mota Liz, os crimes de titulares de cargos públicos, a categoria dos chamados crimes de colarinho branco, são pessoas com alto estatuto social, “mas que cometem os piores crimes”. É verdade. Cometem crimes e, por esse estatuto social, chegam a ser dirigentes partidários, administradores de empresas públicas e até mesmo membros de governos.

Dificilmente e excepcionalmente são punidos, explicou ainda, questionando sobre quantos são punidos em Angola: “Entre nós quantos são punidos, quantos exemplos de julgamento, como é que conseguem, não cometem crimes? Temos consciência para dizer que os nossos titulares de cargos públicos não cometem crimes, creio que não. Temos vários exemplos, por que é que não chegaram a julgamento? Os recentes escândalos, BNA, Cesil, CNC, por que é que falharam? Até foram denunciados”, questiona Mota Liz.

Folha 8 com Lusa

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